Vamos refletir, de antemão, sobre uma concepção de leitura e de escrita muito corriqueira, porém equivocada e não expressa toda a complexidade dessas ações. Comumente ouvimos que ler é decodificar e escrever é codificar. No entanto, decodificar e codificar referem-se à compreensão e ao uso de códigos e não de letras.
Podemos pegar como exemplo o código Braille, nesse conjunto de códigos, cada conjunto de pontinhos em relevo corresponde a uma letra do sistema de escrita alfabético, que é a base da organização de um sistema de códigos. Já a escrita alfabética, que utilizamos para ler e escrever, é um sistema notacional composto por letras e sinais gráficos utilizados conforme um conjunto de propriedades (regras), que definem como devem ser empregados, a fim de notar (registrar) os elementos da realidade. Resumindo, os códigos representam os sinais do sistema de escrita alfabético e este representa pensamentos, sentimentos, objetos, fatos e fenômenos da realidade.
Nas palavras de Morais (s/d, s/p):
Se falamos em sistema de escrita alfabética, é porque a concebemos como um sistema notacional e não como um código. Para aprender um código, basta apenas decorar novos símbolos que substituem outros símbolos de um sistema notacional já aprendido.
A humanidade inventou importantes sistemas notacionais, como o de numeração decimal e a escrita alfabética. Esta última é uma econômica e complexa representação da fala, só inventada depois que foram criados outros sistemas de escrita (ideográficos, silábicos). Para poder se apropriar do SEA, o aprendiz precisará compreender como ele funciona e aprender suas convenções (MORAIS, s/d, s/p).
Para apropriação do sistema de escrita, segundo Morais (2012, p. 51), a criança tem que compreender as seguintes propriedades:
Cada uma dessas propriedades necessita ser conteúdo de estudos sistematizados no período da alfabetização, com sua continuidade nos demais anos de escolaridade em níveis cada vez mais complexos.
O processo de apropriação dessas “regras e convenções do alfabeto não é algo que se dá da noite para o dia, nem pela mera acumulação de informações que a escola transmite, prontas, para o alfabetizando” (MORAIS, 2012, p. 48). Esse processo exige passar por um percurso evolutivo e complexo em que “os aprendizes precisam dar conta de dois tipos de aspectos do sistema alfabético: os conceituais e os convencionais” (MORAIS, 2012, p. 50).
O que o aprendiz necessita dominar em ambos os aspectos do sistema alfabético?
As propriedades do sistema de escrita alfabético e seus aspectos conceituais e convencionais precisam ser considerados na organização do ensino da leitura e da escrita. Assim como, a forma pela qual a criança se apropria desse sistema ao participar dos momentos de estudo da leitura e da escrita planejados e efetivados pelo professor.
A gênese e o desenvolvimento da escrita da criança ou adulto analfabeto foi temática de investigações de pesquisadores de várias áreas, como a Psicologia, a Linguística, a Psicolinguística, dentre outros. Entre inúmeros investigadores, destacamos Emília Ferreiro e Ana Teberosky, psicolinguistas argentinas, que realizaram uma pesquisa, na década de 1970, sobre o desenvolvimento da leitura e da escrita em crianças de 4 a 6 anos de idade e evidenciaram que, a partir dos quatro anos, a criança elabora hipóteses sobre o processo da escrita. Com base nas investigações e em seus resultados, as autoras descreveram os estágios linguísticos que a criança percorre até a aquisição da leitura e da escrita. Aquisição apoiada nos conhecimentos prévios da criança, suas hipóteses de escrita, suas interações sociais e no uso em contexto cultural conforme sua função social. (MENDONÇA, MENDONÇA, 2011; SOARES, 2020).
Essa pesquisa resultou na teoria nomeada psicogênese da escrita, ou seja, a origem e o desenvolvimento da aquisição da escrita, segundo qual as hipóteses de escrita traduzem importantes conhecimentos acerca dos níveis ou etapas psicogenéticas no processo de apropriação da leitura e da escrita pelas crianças – assim como pelos adultos: pré-silábica, silábica, pré-alfabética, alfabética. Tais etapas não transcorrem de forma isolada e fragmentada, ou seja, não ‘saltam’ de uma para outra. São interligadas em um contínuo processo de desenvolvimento.
Importante destacar que a evolução da escrita não passa por etapas espontaneamente, logo deve ser promovida com ações de estudos orientadas pelo professor que apresenta as propriedades da escrita alfabética, fazendo avançar os níveis, intencionalmente.
Nessa etapa, o aprendiz não entende que a escrita nota os sons das partes das palavras. Seus registros caracterizam-se, no início desta etapa, pelo uso de desenhos, rabiscos e sinais gráficos que ainda não são letras, portanto, não compreensível pelo leitor e mesmo pelo escritor passado um tempo. No final dessa etapa, o aprendiz reproduz características visuais da escrita, como: faz traçados contínuos imitando a escrita, usa algumas letras sem correspondência com a fala, por vezes usam sinais de pontuação, a grafia representa características do objeto que representa, ou seja, objeto grande traçado longo e/ou largo, objeto pequeno traçado curto e/ou miúdo.
A leitura é inconstante por atribuir significados diferentes à mesma grafia ou significados iguais a grafias diferentes.
A passagem por esses dois níveis é importante, pois revela a compreensão de que desenho não é escrita e, depois, que a escrita tem sinais próprios, propriedades do SEA.
Figura 5: Hipótese pré-silábica 1.
Fonte: BARBOSA, 2015, s/p.
Figura 6: Hipótese pré-silábica 2.
Fonte: BARBOSA, 2015, s/p.
Figura 7: Hipótese pré-silábica 3.
Fonte: COSTA; GOMES, 2019, p.7.
Na leitura, o aprendiz percebe que sinais de grafia diferentes possuem significados diferentes. O mesmo ocorre com o grafismo, o aprendiz procura diferenciar os grafismos quando quer expressar ideias com significados distintos. Ele identifica que uma palavra possui unidades sonoras menores (sílabas), porém acredita que uma letra é suficiente para representá-la.
Em um primeiro momento, o aprendiz escreve essa letra sem o valor sonoro convencional, então, percebe um conflito e passa a se preocupar com a correspondência convencional entre fonema e grafema. Vinculada a essa transição qualitativa, há também uma variação quantitativa de letras, por vezes apresenta uma quantidade de letras diferente da quantidade de unidades silábicas outras vezes não. Exemplo: BNNC (boneca) ou CVL (cavalo).
Nesta etapa, o aprendiz se apropria da consciência fonológica que é a capacidade de identificar os segmentos sonoros que formam a palavra e refletir sobre eles, percebendo que a palavra é uma cadeia de sons expressa por uma cadeia de letras, pode ser segmentada em sílabas e estas representam pequenos sons (os fonemas).
O aprendiz, nesta etapa, manifesta um salto qualitativo no que se refere aos níveis anteriores.
Nesta etapa, o aprendiz transita entre a escrita com sílabas completas e incompletas. Percebe que tais sílabas possuem unidades sonoras menores e utiliza uma letra para simbolizá-las.
A hipótese silábico-alfabética anuncia que:
A criança que já descobriu o que a escrita alfabética nota (a pauta sonora, ou seja, as partes orais das palavras que falamos), em lugar de achar que se escreve colocando uma letra para cada sílaba, descobre que é preciso ‘por mais letras’. Para isso, ela necessita refletir mais detidamente, sobre o interior das sílabas orais de modo a buscar notar os pequenos sons que as formam em lugar de colocar uma única letra para cada sílaba (MORAIS, 2012, p.62).
Podemos observar as propriedades da escrita silábico-alfabética nas imagens que seguem:
Figura 9: Hipótese silábico-alfabética.
Fonte: SOARES, 2020, p.110.
O aprendiz, nesta etapa, desenvolve a análise fonética – letra a letra - e exibe a apropriação do princípio alfabético, tornando-se alfabética. Sua escrita possibilita uma leitura compreensiva por parte de quem lê e de quem escreve. Apresenta erros ortográficos, que se constituem como novos desafios no processo de estudo desse objeto de conhecimento, assim como o estudo da gramática, de gêneros discursivos e da produção textual. Como podemos ver no exemplo que segue:
Figura 10: Hipótese alfabética.
Fonte: BARBOSA, 2015, s/p.
O aspecto ortográfico da escrita rompe com algumas hipóteses constituídas pelo estudante, há conflitos entre a hipótese baseada em elementos perceptíveis e os novos elementos arbitrários da língua, que ainda precisam conhecer: regras ortográficas, sílaba tônica, origem etimológica da palavra, aspecto facultativo do nome próprio, entre outros.
As etapas, anteriormente, apresentadas possuem subetapas, melhor dizendo, uma evolução interna marcada por uma série de características próprias. Podemos compreender estas sub etapas com exemplos de tentativas de escritas realizadas pelas crianças no decorrer da apropriação dos princípios do sistema de escrita alfabético. Observe a tabela que segue:
Quadro 1: Evolução da escrita da criança.
Fonte: https://bit.ly/2YO6Ot4
Ferreiro (2015) explica que a questão basilar que orientou suas investigações epistemológicas e psicológicas sobre a aquisição da escrita foi: “como se passa de um estado de menor conhecimento a um estado de maior conhecimento?” (FERREIRO, 2015, p. 9). Essa questão norteou o objetivo de investigação da autora, ou seja, compreender e revelar o que e como transcorre a apropriação dos princípios da escrita antes da representação alfabética da linguagem. Concluímos que essa pesquisa não buscava elaborar um método de ensino, mas compreender como se apropria da leitura e da escrita.
Quando procuramos compreender o desenvolvimento da leitura e escrita, do ponto de vista dos processos de apropriação de um objeto socialmente constituído (e não do ponto de vista da aquisição de uma técnica de transcrição), buscamos ver se havia modos de organização relativamente estáveis que se sucediam em certa ordem. Agora sabemos que há uma série de modos de representação que precedem a representação alfabética da linguagem; sabemos que esses modos de representação pré-alfabéticos se sucedem em certa ordem: primeiro, vários modos de representação alheios a qualquer busca de correspondência entre a pauta sonora de uma emissão e a escrita; depois, modos de representação silábicos (com ou sem valor sonoro convencional) e modos de representação silábico-alfabéticos que precedem regularmente a aparição da escrita regida pelos princípios alfabéticos (FERREIRO, 2015, p. 10).
A autora citada afirma que estar alfabetizado, hoje, é:
[...] poder transitar com eficiência e sem temor numa intrincada trama de práticas sociais ligadas à escrita. Ou seja, trata-se de produzir textos nos suportes que a cultura define como adequados para as diferentes práticas, interpretar textos de variados graus de dificuldade em virtude de propósitos igualmente variados, buscar e obter diversos tipos de dados em papel ou tela e também, não se pode esquecer, apreciar a beleza e a inteligência de um certo modo de composição, de um certo ordenamento peculiar das palavras que encerra a beleza da obra literária (FERREIRO, 2006, s/p).
A educação escolar, subsidiada pela compreensão das propriedades do sistema de escrita alfabético e seus aspectos conceituais e convencionais, instrumentaliza-se na organização do ensino da leitura e da escrita, a fim de cumprir sua função social. Ao mesmo tempo, a leitura e a escrita apropriada pelo estudante cumpre sua função social de inseri-lo em um mundo grafocêntrico.
A avaliação diagnóstica da escrita, assim como da leitura, ao contrário do que aparenta, é uma ação inicial do processo de ensino e de aprendizagem. Essa avaliação é imprescindível antes da elaboração dos planos de ensino, pois os seus resultados indicam o que cada aluno da turma sabe, o nível da escrita e da leitura, as dificuldades individuais e coletivas. O professor, então, tem compreensão dos conteúdos e das ações de estudos que não precisa incluir no plano de ensino, em função do domínio e da autonomia apresentados pelo estudante; e, fundamentalmente, dos conteúdos e ações que devem ser realizadas em sala com ensino sistematizado.
A função da avaliação diagnóstica articula-se com a própria função social da leitura e da escrita. Esta avaliação tem o papel de auxiliar na identificação e na análise das etapas da escrita da criança, para então organizarmos o ensino intencional e adequado da mesma. O avanço nas etapas da escrita, no domínio da ortografia e da gramática possibilita o avanço no nível de proficiência da linguagem oral e escrita, que viabiliza a inserção e a atuação profícuas do sujeito nas relações sociais.
Diagnosticar os níveis de escrita dos alunos, e explorar o pensamento infantil buscando compreendê-lo não basta para a progressão do processo de alfabetização. [...], mas [...] se o professor compreende a hipótese em que se encontra o aluno, poderá fazer intervenções por meio de problematizações e intervenções adequadas, contribuindo assim para que a criança vença as etapas necessárias à compreensão do sistema alfabético. [...] cabe ao professor criar situações que permitam aos alunos vivenciar os usos sociais que se faz da leitura e escrita (BITTENCOURT; LUIS, 2017, p. 22565-22566).
Discutiremos alguns exemplos de avaliação diagnóstica da leitura e da escrita, que é essencial, não como forma de avaliar um estudante no final de um período letivo determinado, como instrumento orientador da organização do ensino subsequente.
Uma proposta sugerida por Ferreiro e Teberosky, para detectar o nível de leitura e de escrita da criança, implica um ditado individual de quatro palavras e uma frase. A escolha não é aleatória, o professor deve fazê-la considerando o sujeito a quem se destina o ditado, para definir a composição das sílabas das palavras: simples ou complexas.
O professor faz um ditado de quatro palavras: uma palavra polissílaba; uma trissílaba, uma dissílaba; uma monossílaba e uma frase, respectivamente, nesta ordem. A monossílaba é a última palavra, a fim de evitar, logo de início, um conflito cognitivo. A representação de um monossílabo é difícil, porque a criança identifica somente um som na oralidade e pode achar que é representada com uma letra. Este conflito, no começo do ditado, promove uma insegurança no restante das representações.
As palavras e a frase ditadas devem ser de um mesmo grupo semântico, ou seja, de um mesmo contexto específico. Podem ser palavras de grupos semânticos, como nomes de: animais, brinquedos, brincadeiras, materiais escolares, membros da família, entre outros. Não se deve exigir que a criança produza uma escrita correta e sim pedir que ela escreva do jeito que ela acha que é.
Na sequência, o professor pede à criança que leia as palavras e a frase, com o intuito de observar alguns aspectos da leitura e da escrita, como: se a leitura é apenas de memória; se reconhece unidades menores na palavra; a direção da leitura; a percepção de que se há mais ou menos letras do que as necessárias; se há intenção de corrigir seus escritos.
Figura 3: Valores saudáveis.
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Trazemos um exemplo prático de avaliação diagnóstica e seus resultados (SILVA, 2016).
A SOPA É GOSTOSA.
Tomar leitura de palavras, frases ou textos maiores, assim como o ditado, também é uma ação avaliativa relevante nos processos de ensino e de aprendizagem. Por meio desta ação avaliativa, o professor reconhece e analisa o nível do domínio da leitura, possíveis dificuldades na relação grafema-fonema, a entonação, a capacidade de inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
Encerramos aqui nossa unidade com assuntos importantes no campo do setor logístico. A logística integrada ou logística de cadeia de suprimentos é algo que chegou na era da informação e certamente ficará. A tecnologia e o entendimento que o foco deve ser a satisfação do cliente fizeram com que a logística deixasse de ser percebida como um elemento interno para se tornar uma ferramenta capaz de atender os anseios dos consumidores, no local certo e na hora certa.
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